 
	Paz é coerência, coerência é paz
Em Para ser grande, sê inteiro: nada
Teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa. Põe o quanto és
No mínimo que fazes.
Assim em cada lago a lua toda
Brilha, porque alta vive.
Ricardo Reis (Fernando Pessoa)
Em 1916, o poeta Fernando Pessoa traduziu do inglês para o português a obra da filósofa e mística Helena Blavatsky, uma das primeiras ocidentais a trazerem para a Europa fundamentos da filosofia oriental. Mais tarde, ela foi uma das fundadoras da Sociedade Teosófica.
A teosofia (do grego teos = Deus e Sophia = sabedoria) é uma escola mística que estimula o estudo da religião comparada, filosofia e ciência para construir conhecimento sobre mistérios da vida, da natureza, da divindade, da origem e propósito do universo, bem como da vida humana.
Em uma carta ao seu contemporâneo poeta Mário de Sá-Carneiro, Fernando Pessoa conta ter entrado em uma crise intelectual após o contato com a obra de Blavatsky.
“Tive de traduzir livros teosóficos. Eu nada, absolutamente nada, conhecia do assunto. Agora, como é natural, conheço a essência do sistema. Abalou-me a um ponto que eu julgaria hoje impossível, tratando-se de qualquer sistema religioso. O carácter extraordinariamente vasto desta religião-filosofia; a noção de força, de domínio, de conhecimento superior e extra-humano que ressumam as obras teosóficas, perturbaram-me muito”, diz ele.
Além de Blavatsky, Pessoa teve contato com outros textos de ocultismo e misticismo, como a Maçonaria e Rosa-cruz. Essa temática espiritual-transcendental é parte importante de sua obra, perpassando seus três principais heterônimos: Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos. O poema de Ricardo Reis citado acima, publicado em 1933, é um exemplo destes textos.
Em harmonia com a temática da plenitude do poema citado, o monge brasileiro Satyanatha, em uma das suas belas meditações, resumiu a paz como coerência. “A paz nasce da coerência, de você ser você. Não o que querem que você seja, não o que você não veio para ser. Quando o coração se alinha com a mente, a mente se alinha com os atos, os atos se alinham com a vida e a vida se alinha com a alma. A paz vem. A paz nasce”, explica ele.
Uma das definições do dicionário Oxford Languages para paz é “estado de espírito de uma pessoa que não é perturbada por conflitos ou inquietações”. Para o monge, o conflito de fazer algo desejando executar outra coisa, ou de estar presente em um local, mas com a mente em outro é um dos principais problemas do homem moderno.
O “ser inteiro” cantado por Ricardo Reis pode ser entendido, definido e explicado pela coerência detalhada pelo monge. Apenas quando conseguimos “ser todo em cada coisa e por o quanto somos no mínimo que fazemos” é que conseguimos ter coerência e paz.
A paz nasce de entendermos o propósito de cada atividade que fazemos e da relação desse propósito com os nossos propósitos, desejos e ambições mais profundas, aquilo que a nossa alma pede que façamos.
Coerência é estarmos no trabalho e estarmos inteiramente presentes ali. É sentar à mesa e saborear plenamente aquela refeição. É dedicar-se a um hobby ou a um exercício físico e fazer isso sem mais nada na cabeça. É o alinhamento entre a alma, coração, a mente e a ação. E também é paz. Não é fácil encontrar essa paz profunda, mas se conseguimos “ser inteiros” em nossas atividades, já temos um belo indicativo.
 
    



